Dois meses após a entrada em vigor da nova Lei do Tabaco, as críticas e queixas dos empresários da hotelaria, restauração e afins já pouco se ouvem. Não porque a legislação tenha sido revogada, mas porque, aos poucos, as suas pretensões têm vindo a ser aceites. O mais recente exemplo é o acordo assinado na semana passada entre a Associação de Discotecas Nacional e a Direcção-Geral da Saúde, que permite fumar em estabelecimentos de bebidas com espaços destinados a dança e com uma área até 100 m2 desde que "cumpram os requisitos de sinalização, ventilação e extracção de fumos". Ou seja, uma lei que surgiur, de acordo com o Governo, para permitir a melhoria da qualidade do ar em espaços fechados e evitar que os não-fumadores sejam vítimas do vício dos outros obriga a que eu, não-fumadora, das duas uma: ou passe a não frequentar discotecas até 100 m2 de área ou, optando por frequentá-las, fique sujeita aos malefícios do tabaco. Afinal, onde está o espírito da lei? Não esqueçamos que as discotecas são também locais de trabalho... E se esta excepção é permitida nas discotecas, por que também não pode ser aplicada em restaurantes? colectividades? salas de jogos?, etc., etc., etc. Ou melhor, por que não criar um terceiro dístico - a juntar aos dois já criados pela DGS - com o seguinte dizer: "Proibido não fumar"?
A notícia tem já uma semana, mas só hoje tomei conhecimento dela. É de tal forma caricata, que não posso deixar de a comentar aqui. Está uma vez mais relacionada com essa grande instituição que é a... ASAE! Não é que esta nova polícia, defensora da lei, da moral e dos bons costumes tem os extintores de incêndio da sua sede, na Avenida Conde de Valbom, em Lisboa, fora de prazo???!!! É caso para dizer "Em casa de ferreiro, espeto de pau" ou "Olha para o que eu digo, não olhes para o que
eu faço". Esta situação relatada no semanário Expresso da semana passada levantam, desde já, várias questões. Que autoridade moral tem a ASAE para penalizar terceiros por não cumprirem os normativos legais, se ela é a primeira a violá-los? E quem fiscaliza a ASAE? Quem lhe levanta os autos-de-notícia e os envia para o tribunal? Já não bastava o presidente da instituição ter sido apanhado a fumar no Casino Estoril na noite de passagem-de-ano, numa altura em que a nova Lei do Tabaco estava já em vigor? Quantos mais casos de clara violação das leis iremos ainda descobrir relacionados com a nova polícia dos bons costumes? Sempre ouvi dizer que o primeiro exemplo deve vir de cima. Não é, claramente, o que se passa com a ASAE!
"A lei do tabaco é clara nos seus objectivos, mas é de leitura difícil"
(Francisco George. director-geral da Saúde in Público de hoje)
"Não posso assegurar que os casinos não vão conseguir uma excepção mais favorável"
(Francisco George, director-geral da Saúde in Diário de Notícias de hoje)
Diz o povo que "o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita". Parece ser o caso da nova Lei do Tabaco, que desde que começou a ser aplicada, no início do ano, ainda não deixou de causar polémica, nem de ser sujeita a múltiplas interpretações. As declarações do director-geral da Saúde, Francisco George, publicadas hoje nos jornais em nada contribuem para o esclarecimento dos portugueses e muito menos para apaziguar os ânimos. Ao admitir que a legislação não é de fácil interpretação, Francisco George está a admitir que esta pode ser lida à luz dos mais diversos interesses. E parece que é por esse caminho que se está ir! Depois da polémica em torno do fumo nos casinos, espoletada pelo facto de o director-geral da ASAE ter sido apanhado a fumar no Casino Estoril -, parece que agora as discotecas poderão ser também locais de excepção, uma vez que são considerados "recintos de diversão". Acontece que estes recintos são também locais de trabalho e nesta matéria em concreto, a lei é taxativa: é proibido fumar nos locais de trabalho. Assim sendo, como harmonizar os dois direitos num mesmo espaço? À custa de tanta excepção Francisco George vai conseguindo adiar a promessa feita aos portugueses: a de que se demitiria caso a Lei do Tabaco não fosse cumprida.
O director-geral da Saúde pediu à ASAE que fiscalize urgentemente os estabelecimentos de restauração e bebidas que exibam o dístico azul, informando os clientes de que podem fumar naqueles locais. A ARESP, entidade que representa esses estabelecimentos, insurgiu-se contra essa declaração de Francisco George, argumentando que está montada uma campanha persecutória aos empresários que permitem o fumo nos seus estabelecimentos.
Não me parece que a ASAE necessite que alguém lhe lembre quais são as suas obrigações. Já deu mais do que provas que existe para ter mão firme para com os prevaricadores. Além de que, como fumador, o director-geral da ASAE deve estar suficientemente bem informado de quais os locais onde é permitido o fumo e em que condições é que estes (não) funcionam.
Já agora, uma vez que na vida há que ter também algum sentido de humor, aqui ficam exemplos de situações em que os inspectores da ASAE deveriam actuar:
ASAE FECHA IGREJA
" O padre dava óstias que não se encontravam de acordo comas normas da
ASAE . Além disso fazia-o com as mãos , introduzindo-as directamente
no orificio oral das vítimas , não usando vestuário de protecção -
declarou o porta-voz da mesma..."
ASAE FECHA TAMPA DE SANITA
" ...tinha acabado de mijar . - confessou o agente em questão , no
passado dia 8 de Outubro à Revista Cor-de-Rosa.
ASAE FECHA PERNAS DE PROSTITUTA
" O local de trabalho não estava de acordo com as normas de higiene da
ASAE , havendo inclusivé animais não vacinados no local - cita uma
agência notíciosa.
ASAE FECHA ESTABELECIMENTO FECHADO
" A ASAE encetou hoje uma grande operação , pelas 04h da manhã , na
Região de Lisboa , tendo para isso usado um contingente de 50 homens ,
armamento vário, 8 chaimites, 12 cães e um gato que ia por ali a
passar . Ao chegar ao local, os agentes depararam-se com um
estabelecimento fechado . Vários agentes encaminharam-se então pra ir
chamar o dono do estabelecimento que, ainda em ceroulas, veio abrir o
estabelecimento . Abriu a porta e , acto continuo, os agentes fecharam
aquele estabelecimento , uma vez que estava aberto a umas horas que
estavam fora do periodo licenciado . - in Correio da Manhã
ASAE FECHA UM ENVELOPE
" Um agente usou a língua para humedecer o sobrescrito e fechou-o
muito bem fechadinho . O Chefe da ASAE recomendou este agente para uma
condecoração , dado o esmero utilizado no cumprimento do dever -
noticiou a Lusa.
ASAE FECHA BRAGUILHA
" Agente que andava de braguilha aberta desde ontem , fechou-a hoje .
Interpelado pra comentar o caso , o agente diz "...que se esqueceu." -
noticiou a Revista Cor-de-Rosa.
ASAE FECHA ASAE
" Um dos funcionários da ASAE encontrava-se no local sem ter fechado
nada ainda , sendo que isto vai contra o regulamento interno da ASAE ,
no que toca ao art.23 ,parágrafo 2 , alinea b ) " A fechar é que
agente está bem . Se não estamos a fechar nada, mais vale fechar isto
." - anunciou hoje de manhã o responsável , citando uma fonte ligada
ao caso.
Se os portugueses ainda tivessem dúvidas de que os edifícios onde estão instalados serviços ou organismos da Administração Pública ou órgãos de soberania não são locais de trabalho, estas ficaram devidamente esclarecidas com a publicação da nova Lei do Tabaco. Vejam só o que diz o artigo 4º... Anda o Governo a tentar convencer o povo que trabalha, para o legislador estragar tudo.
Como diria o saudoso Fernando Pessa: E esta, hein?!
É assim que maioria dos fumadores se deve sentir desde que a nova lei anti-tabaco entrou em vigor, no início do ano, e que obriga as empresas e estabelecimentos de restauração e bebidas a ter salas especiais para quem fuma. Há dias, no programa "Praça da Alegria" (RTP 1), Luísa Castel-Branco insurgia-se contra a nova lei e a perseguição que agora é feita aos fumadores, argumentando que têm todo o direito a fumar onde quiserem, quando quiserem e quanto quiserem, comparando o vício de fumar com o vício das drogas no que diz respeito às consequências para terceiros. E nem o médico que estava no mesmo programa conseguiu fazê-la crer que é diferente para uma pessoa levar com o fumo de outra do que ver, por exemplo, um toxicodependente a injectar-se na rua.
Conheço vários tipos de fumadores. Desde aqueles que nunca tiveram coragem de assumir perante @ companheir@ que têm esse hábito, até àqueles que são perfeitamente susceptíveis aos argumentos dos não fumadores, até aos que se insurgem quando alguém lhes pede para atirar o fumo para o outro lado. Nada tenho contra quem fuma se não estiver a prejudicar a minha saúde. Penso, no entanto, que deveriam ter sido dados outros passos, antes de publicar uma lei tão restritiva e que, ao mesmo tempo, comporta tantas excepções e que coloca tantas dúvidas mesmo aos organismo que têm a obrigação de a fazer cumprir.
Afinal, sempre ouvi dizer que não é com vinagre que se apanham moscas. Será que esta legislação tão apertada terá mesmo os efeitos pretendidos?
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