Foi um primeiro-ministro totalmente transformado aquele que hoje se mostrou em entrevista a Ana Lourenço, no "Dia D - Especial", na SIC e SIC Notícias. Depois da pesada derrota eleitoral nas europeias do dia 7, a José Sócrates pouco mais resta do que fazer mea culpa e mostrar um pouco de humildade se ainda alimenta esperanças de conseguir uma vitória nas próximas legistalivas. Mesmo que esta alteração de postura e de discurso resultem apenas de estratégias de marketing político há muito conhecidas. Sócrates revelou-se um verdadeiro actor, com uma capacidade de transfiguração impressionante, tão impressionante que é capaz de confundir o eleitoral. Afinal, qual é o verdadeiro primeiro-ministro de Portugal? Aquele de durante quatro anos defendeu acerrimamente as políticas do seu Governo, que nunca admitiu qualquer erro de governação, que se insurgiu contra tudo e contra todos, com discursos bastante inflamados? Ou este que agora, à beira do abismo, admite que tomou decisões erradas, que fala com a voz por vezes embargada, que já pouco gesticula, que aceita muitas das críticas que lhe foram feitas ao longo dos últimos quatro anos? Qual destes é o verdadeiro Sócrates?
O anúncio irritavamente profundamente porque não conseguia perceber que raio de mensagem pretendia transmitir. Tanto a forma como o conteúdo me pareciam totalmente despropositados para publicitar um serviço de notícias e, talvez por isso, não me tenha apercebido dessa mensagem subrepticia contra um dos maiores valores da democracia: o direito à manifestação! A polémica que estalou em torno deste spot publicitário, transmitido amiudadas vezes na RTP, é manifestamente exagerada quando comparada com tantos outros filmes publicitários que passam nos canais de televisão e de rádio, que são publicados nos jornais e revistas e mesmo na Internet. Alguns são verdadeiros atentados a direitos constitucionais e ninguém os critica. Desta vez, só porque o Governo menosprezou a grandeza da manifestação da GGTP da semana passada, considera-se que o anúncio faz parte de uma campanha negra contra quem quer manifestar-se contra o Executivo de Sócrates.
José Sócrates: descubra as diferenças
Mais uma vez, o primeiro-ministro insurgiu-se contra as manifestações promovidas pela CGTP, garantindo que estas não o afectam. Desta vez foi anteontem, no Porto, onde Sócrates presidiu à criação do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S). O primeiro-ministro desvalorizou o protesto levado a cabo por cerca de 50 apoiantes da CGTP, dizendo que eram apenas fitas para a televisão. José Sócrates deve saber do que fala. Qualquer apresentação pública de uma nova medida ou o lançamento de um novo projecto do Governo são preparados ao mais ínfimo pormenor, como se de uma peça de teatro se tratasse, para que tudo fique bem no retrato. Enquanto jornalista, tal como vários colegas da imprensa escrita, já apanhei muitas "secas" porque as cerimónias oficiais nunca começam sem a presença das camâras de televisão. E o que dizer da apresentação pública do Plano Tecnológico, no ano passado, no Centro Cultural de Belém, quando o Governo contratou 10 crianças (a quem pagou 30 euros) para que fossem figurantes nessa mesma cerimónia?
Mais grave do que um primeiro-ministro com memória curta, é um primeiro-ministro que considera que o povo não tem memória!
Quando um primeiro-ministro diz estar "muito habituado a manifestações" e que estas em nada o afectam, como José Sócrates admitiu hoje, em Évora, é porque algo vai realmente mal na política. As manifestações, mesmo aquelas que alegadamente são organizadas por estruturas sindicais, são sintoma de que algo desagrada a determinado sector da população e não deveriam, por isso, ser menosprezadas. Neste caso concreto, aos sindicalistas juntaram-se utentes do Centro de Saúde de Vendas Novas, que reclamavam o seu funcionamento 24 horas por dia. Numa altura em que a política da saúde está a ser fortemente contestada, em que diariamente são tornados públicos casos de mortes alegadamente provocadas por deficiente socorro ou assistência médica, ouvir da boca de um primeiro-ministro que as manifestações em nada o afectam é o mesmo que dizer aos portugueses que não têm direito a ter voz, a criticar o que acham que deve ser criticado e a exigir que o Governo, eleito por este mesmo povo, cumpra o que prometeu. José Sócrates comporta-se cada vez mais como um ditador e não como um chefe de um Governo democrata, como tanto gosta de apregoar. Já é mais do que tempo de descer do seu pedestal e de visitar o país real, de ouvir as dores do povo e conhecer as suas reais condições de vida. A não ser que se prepare para fazer como o outro que, quando tomou consciência de que o barco estava mesmo à deriva, foi o primeiro a abandoná-lo e refugiou-se na Europa. Nessa Europa à qual dizemos pertencer, mas da qual todos os dias estamos um pouco mais afastados.
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