À medida que os verdadeiros números da tragédia da praia Maria Luísa, no Algarve, iam sendo conhecidos aumentava a incredulidade. Como é possível que cinco pessoas tenham morrido quando desfrutavam de um simples dia de praia? Quando o seu único erro terá sido o de se abrigarem à sombra de um rochedo, onde apenas uma placa avisava de que havia perigo de derrocada, sem qualquer área de segurança delimitada? Quantos de nós não teremos já feito o mesmo? Sem dúvida, uma tragédia a merecer a reflexão por parte de todos nós!
Os números não mentem: este ano, cerca de 40 mulheres foram mortas num quadro de violência doméstica. Mais do dobro do que o ano passado. E 2008 ainda não acabou! Mesmo com as várias campanhas de alerta e de sensibilização sobre este crime hediondo, os números continuam a mostrar um retrato bastante negro. Aos poucos, as mulheres vítimas de violência doméstica ganham coragem para denúnciar as sevícias de que são vítimas, por vezes, ao longo de décadas e décadas. Mas o que acontece quando as instituições que as deviam proteger as obrigam a conviver com o seu agressor?
De acordo com a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima), não são raros os casos em que os tribunais, apesar de reconhecerem e condenarem os agressores, permitem que estes continuem a partilhar a vida com a vítima. O caso mais recente prende-se com um casal residente em Alcanena. Durante 30 anos, a mulher sujeitou-se aos maus-tratos recorrentes, por vezes, na presença dos filhos. O tribunal de primeira instância deu-lhe razão e condenou o marido a dois anos de prisão, ao pagamento de uma indemnização de 4500 euros e a manter-se afastado de casa durante 16 meses (!!!). Mas o pior estava ainda por vir.
Os desembargadores da Relação de Coimbra consideraram provados todos os factos e mantiveram a sentença. Contudo, consideraram que o agressor deve permanecer na casa de família, "uma vez que o direito a uma habitação também é um direito constitucional". Ou seja, consideraram que "não há factos donde se retire que o arguido possa, com maior ou menor dificuldade, acolher-se noutra [casa]". Ou seja, mais importante do que manter agressor e vítima afastados é assegurar que este continue a ter um tecto. De preferência, debaixo do qual possa continuar a maltratar a mulher. Até que a morte os separe!
Quando um primeiro-ministro diz estar "muito habituado a manifestações" e que estas em nada o afectam, como José Sócrates admitiu hoje, em Évora, é porque algo vai realmente mal na política. As manifestações, mesmo aquelas que alegadamente são organizadas por estruturas sindicais, são sintoma de que algo desagrada a determinado sector da população e não deveriam, por isso, ser menosprezadas. Neste caso concreto, aos sindicalistas juntaram-se utentes do Centro de Saúde de Vendas Novas, que reclamavam o seu funcionamento 24 horas por dia. Numa altura em que a política da saúde está a ser fortemente contestada, em que diariamente são tornados públicos casos de mortes alegadamente provocadas por deficiente socorro ou assistência médica, ouvir da boca de um primeiro-ministro que as manifestações em nada o afectam é o mesmo que dizer aos portugueses que não têm direito a ter voz, a criticar o que acham que deve ser criticado e a exigir que o Governo, eleito por este mesmo povo, cumpra o que prometeu. José Sócrates comporta-se cada vez mais como um ditador e não como um chefe de um Governo democrata, como tanto gosta de apregoar. Já é mais do que tempo de descer do seu pedestal e de visitar o país real, de ouvir as dores do povo e conhecer as suas reais condições de vida. A não ser que se prepare para fazer como o outro que, quando tomou consciência de que o barco estava mesmo à deriva, foi o primeiro a abandoná-lo e refugiou-se na Europa. Nessa Europa à qual dizemos pertencer, mas da qual todos os dias estamos um pouco mais afastados.
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